*Juscelino se encontrava parado a porta após a programação de uma igreja evangélica, ao me aproximar dele percebo que carrega uma sacola plástica. Ele usava chinelos de dedo, vestia camisa vermelha e bermuda de cor laranja visivelmente surrada.
Conversei com ele por 2 minutos, tempo suficiente para perceber que ele não tinha um lugar para dormir aquela noite... o Ronaldo não estava comigo, meu esposo amado que tanto me ajuda nessas horas... Fui imediatamente para encontrá-lo disse-lhe que havia alguém que precisava de nossa ajuda. Ele poderia ficar quieto e nada fazer, mas, se tratando de nós... olhamos um para o outro, nem foi preciso falar nada, em minutos estávamos à procura de Juscelino, aonde iríamos encontrá-lo? Pelas ruas, pelos becos, postos de combustíveis? Possíveis locais onde alguém que não tem um lar passaria uma noite.
Dada nossa experiência por morarmos anos em um Motor Home (ônibus casa), o posto de combustíveis foi tiro certo. Paramos perto do frentista e estava ali o jovem franzino com um copo em uma das mãos e um exemplar do novo testamento na outra gesticulava para um casal que estava sentado perto dele.
A minha pergunta para o frentista foi clara e direta. O que esse pessoal está bebendo? deve ser cachaça, Pensei alto... Como somos bobos ter vindo aqui; meu preconceito insistia em falar mais alto que a vontade de ajudá-lo... As pessoas estão certas quando me dizem que esse povo sai pelo mundo se aproveitando das pessoas, pedindo coisas durante o dia, de noite se reúnem para se embriagar e rir daqueles que acreditam em suas histórias tristes... A resposta do frentista foi como uma espada que separa pensamentos de intenções... Não é bebida jovem, eles estão tomando um copo de café.
Ao conversarmos ficou claro que nem se conheciam, apenas partilhavam de momento de total exclusão vivido por Juscelino, que enganava o frio, ou quem sabe a fome tomando goles de café quente... Juscelino não nos pediu nada...
Entregamos a Juscelino naquela noite um valor em dinheiro, suficiente para passar a noite num dormitório, quem sabe tomar um banho ou comer uma refeição quente...
Havíamos preparado uma bolsa com roupas, artigos de higiene pessoal e uma toalha. Quando Juscelino chegou era outro homem, limpo e penteado... ainda assim iria dormir naquele posto de combustíveis...
O inicio do século XXI e suas frias estatísticas de assaltos e crimes, a era das incertezas e desconfianças. A realidade é que sentíamos medo do Juscelino, poderia ser um foragido, um assaltante, um psicopata... Já tendo passado por alguns assaltos e roubos, vivendo numa cidade pernambucana com mais 1.080 pontos de venda de crack, tínhamos nossos motivos para agir assim...
A nossa mente racional envia o ALERTA. Não podíamos colocar nossas vidas em risco, por outro lado a cidade não possui nenhum albergue ou casa de passagem para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Como lidar com alguém assim? Como é difícil acreditar que chegamos nesse ponto enquanto civilização, uma sociedade globalizada, porém, desumana.
Doamos um colchão e um lençol para amenizar seu sofrimento... ao deitar em nossa cama, um tremendo mal estar tomava conta de nossos pensamentos, não conseguíamos parar de pensar naquele homem dormindo ao relento, um ser humano na sarjeta, vivendo a margem. Uma realidade de um imenso contingente de excluídos no mundo.
Dias depois trabalhando num restaurante onde limpa o pátio e cuida de animais para o abate. Juscelino já tem um lugar para dormir, refeições quentes e um salário, que não é muito, no entanto, ele já pode sonhar com possibilidade de trazer sua esposa e seu filho que aguardam em uma cidade qualquer por uma oportunidade de uma vida digna.
Queremos mais, estamos batalhando para que Juscelino tenha um trabalho com carteira assinada com todos os seus direitos assegurados. Um currículo está sendo colocado nas empresas para que esse objetivo se concretize antes da chegada do Natal.
* A história é verdadeira, apenas o nome é fictício para proteger a identidade do personagem
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